Sunday, August 30, 2009

LISBON: «cheerfully decrepit» & «chicly scruffy»

É cada vez mais comum ver Lisboa descrita na imprensa estrangeira com adjectivos que tentam, em simultâneo, atrair visitantes e prepará-los para a degradação e desmazelo que vão encontrar na capital portuguesa. Quem escreve sobre Lisboa tem sempre que se debater com essa realidade ingrata da cidade. A história, a topografia e o património são atraentes mas o estado das coisas é, demasiadas vezes, repugnante.

Na última edição da Travel + Leisure (Agosto 2009), uma das revistas líderes na área do turismo, Lisboa vem mais uma vez ambiguamente descrita como «cheerfully decrepit» e «chicly scruffy». Como compreendemos a dificuldade da autora, Maria Shollenbarger! Em anos anteriores, e noutras revistas, Lisboa tem sido classificada como «shabby chic» e até «grubby glam». Lisboa é frequentemente referida como a «dowdy old city» um cenário reduzido a «frayed charm».

Para quem nos visita, será um cenário cómico e bizarro que diverte - uma espécie de safari urbano em plena UE. Mas para quem aqui nasceu, vive e trabalha pode ser deprimente. Algo de muito errado, estrutural, se passa com a nossa cidade (as nossas cidades...) considerando que Portugal faz parte de uma comunidade de países desenvolvidos desde 1986.


Foto: Imagem que abre o artigo de 4 páginas da Travel + Leisure (Rua de Santa Cruz, Bairro do Castelo); reparar no típico detalhe lisboeta do carro estacionado em local proibido, numa zona que é suposto ser de acesso condicionado e gerida pela Emel.

Sunday, August 23, 2009

LISBON: «can appear a pretty provincial place...»

WALLPAPER CITY GUIDE – LISBON
Phaidon, Paris, 2007

It would be natural to imagine that because the cosmopolitan Portuguese love to travel so much, their capital must be a forward-thinking, sophisticated, global city, affording endless delights to the visitor. In fact, the reality is somewhat different. One legacy of the military dictatorship that governed Portugal for more than half a century was a Lisbon rather reduced in both circumstance and confidence. Even today, 30 years or so after the fall of that regime, Lisbon can appear a pretty provincial place, full of cliques and clandestine pleasures.

True, this was the centre of what was arguably the first global empire in history, but if you are unlucky enough to arrive on a wet, wintry Wednesday, it’s fair to say that you aren’t likely to linger. (pag. 3)

Amoreiras Towers
Designed by the Portuguese architect Tomás Taveira and added to the Lisbon skyline in the 1980’s, the Amoreiras complex, featuring office and high-end residential towers plus one of Lisbon’s first shopping centers, is probably the most consensual constructio in town: you will hardly find anyone who likes it. The boldness of the glass towers, as well as the sheer size and colour palette of the whole edifice, has been slammed by critics for smacking of ostentatious and aggressive postmodernism. It didn’t help that Taveira was involved in a extremely high-profile sex scandal soon after it was built. (pag. 15)

Hotels
At first glance, Lisbon does not have the most enchanting array of places to sleep. International names have generally bypassed the city – even the Design Hotels chain preferred the centuries old royal resort of Cascais, 30 km away, where you will find the still less than trilling Farol Design Hotel. (pag. 16)

Architour
The Lisbon authorities have not been particularly proactive about protecting architecture that’s too recent to be deemed ‘historical’. Salazar’s dictatorship ended just three decades ago, but only a few modernist churches, monuments and schols remain faithfull to their original purpose. Happily, it seems the tide is shifting. Lisbon City Council plans to further the restoration of Fernando Silva’s much-loved Cinema São Jorge and is considering salvaging from ruin the 1925 Teatro Capitólio (Parque Mayer) by Luís Cristino da Silva. (pag. 64)

Foto: Provincianismo em plena Rua Augusta.

Tuesday, August 18, 2009

101 atropelamentos em passadeiras de Lisboa em 4 meses

101 atropelamentos em passadeiras de Lisboa em 4 meses

De Janeiro a 30 de Abril registaram-se 266 atropelamentos em Lisboa, dos quais 101 foram verificados em passadeiras e 165 fora delas, disse esta sexta-feira à agência Lusa o comandante de operações da Divisão de Trânsito da polícia.

Foto: Largo da Academia de Belas Artes. Paradigma da mobilidade lisboeta. Os carros nas passadeiras e os peões nas faixas de rodagem! Agradecemos a imagem enviada por um munícipe.

Saturday, August 15, 2009

Relato de um casal de peões e o seu bébé na «Grande Alface»


«E lá na Grande Alface, decidimos os senhores de Pinheiro levar o Rititi Boy da Estrela até ao Chiado, empurrando carrinho que é como se passeiam os bebés desde que o mundo ficou motorizado. Ah, que grandes aventuras que gostamos nós de viver! Porque uma coisa é Madrid, uma cidade com passeios largos e mentalidade europeia e outra bem diferente é a nossa querida Lisboa, tão decadente, tão luminosa e tão desconfortável para o caminhante.

Mas comecemos pelo princípio, a saída de casa. Impossível, ficámos presos. Estacionada à porta do prédio eis que estava uma bela de uma carrinha audi A35, com os seus dez metros de comprimento escarrapachados no passeio. Matizo: à porta não, dentro da porta. Porque em Lisboa o conceito de estacionamento vai mais além dos limites lógicos da física, o dono da carrinha achou que a sua viatura estaria mais segura tapando a saída da minha casa. Foi mais ou menos quando Mr. Pinheiro começou aos pontapés à carrinha que eu me dei conta da odisseia em que se ia transformar um simples e simpático passeio pelas ruas da cidade. E como se tira um carrinho de bebé de uma casa lisboeta? À bruta. Apanha-se no carrinho com garra e atitude e poisa-se em cima da viatura que obstaculiza a saída do prédio. Ah, mas assim risca-se o carro, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda o carro.

Seguimos: já na rua reparamos que não há passeios livres porque como ficou lá atrás explicado o lugar onde se estacionam os carros é em cima do passeio. Como ainda não tirei o curso de voar na escola de pássaros nem o meu marido gosta de exibir em público a seu superpoder do tele-transporte, não tivemos mais opção que empurrar o carrinho pela estrada, ali da rua de São Bernardo à Alvares Cabral. Um saltinho. Cinco minutos. Claro que não estávamos sozinhos. Taxis, carros, motas e camionetas faziam o favor de nos seguir, qual romaria à nossa senhora dos carrinhos, à trepidante velocidade de 0,010 km por hora. E que linda sinfonia que ouvíamos, senhores! Saiam-me da frente, buuuuu, fora daí seus caralhos, piiiii, e assim ficou o Rititi Boy a conhecer o dialecto da capital. Ah, mas assim entupiam o trânsito, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda o trânsito.

Mais: a Alvares Cabral é uma grande avenida e o Rato, uma zona central, e a Rua da Escola Politécnica uma arteria das que chamam principal, com o Procuradoria-Geral da República a comandar a via. Pois muito bem, já andei em aldeias do terceiro mundo melhor pavimentadas que estas, por não falar já da lógica de pôr candeeiros no meio do passeio que impedem o normal caminhar ou do estado lamentável da puta da calçada portuguesa. Há partes da calçada, palavra de honra, que parecem remendadas por manetas cegos com ódios concretos aos pais com carrinhos e senhores em cadeiras de rodas. Obras sem sinalizar, cruzamentos tapados por camionetas e polícias que nem se dignam a parar o trânsito quando não se pode passar com o carrinho por culpa de uma betoneira no meio do passeio. Ah, mas o polícia só estava ali para fiscalizar a obras, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda o polícia.

Até à Trindade encontrei um total de sete carrinhos de bebés, sendo de cinco eram empurrados por turistas nórdicos e dois por criadas sem medo a morrer atropeladas por um autocarro psicopata. Nativos, zero, o que também não é de estranhar devido ao pouco interesse que os autarcas municipais mostram por ter as ruas cheias de crianças. O centro de Lisboa, nesse sábado, aliás, estava, como sempre, às moscas, sem famílias, sem crianças que devem estar refundidas na expo ou nalgum centro comercial com estacionamento regulado e elevadores com capacidade para dez carrinhos de bebés. Já podem vir com teorias para reabilitar o centro ou gastar dinheiro em merdas de espectáculos de rua, mas bastava com arranjar os passeios, regular o estacionamento, que a gente ia lá, gozar a cidade, como se gozam todas as capitais europeias. Ah, mas Lisboa é gira porque é caótica, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda Lisboa, então.»

in www.rititi.com/

Fotos: Av. Alvares Cabral e R. da Academia das Ciências

Saturday, August 8, 2009

«Quero ir às compras a pé posso?»


«Em relação à pedonalização das ruas cada vez que o assunto é abordado surgem na comunicação social opiniões contrárias ou fortemente reticentes de Associações Comerciais, do lobby dos automóveis, de Confedarações do Comércio , etc... (Comerciantes com queixas da pedonalização das cidades - PÚBLICO-03.08.2009)

Ora o comércio consiste numa relação de troca de bens e serviços entre duas partes - o comprador e o vendedor. Ambas as partes são necessárias para que a relação comercial se processe.

O que temos assistido na comunicação social é a um "direito de antena" exclusivo aos comerciantes, ou seja à componente vendedora das transacções comerciais, que fala em nome da componente compradora - o consumidor, mostrando capacidade de adivinhar, sem bases científicas quaisquer, as preferências dos compradores apenas pelos números das vendas de alguns retalhistas.

Posto isto lanço a questão: as grandes superfícies não são elas próprias grandes zonas pedonais,livres de ruído, de ar poluído, de riscos de atropelamento ao atravessar as vias de uma loja para a outra? Porque é que não auscultamos mais as preferências dos consumidores, no que toca à actividade de fazer compras, para que possamos adaptar o comércio tradicional às suas preferências?

Talvez cheguemos à conclusão, como vemos no caso da Rua Augusta na baixa de Lisboa, que a pedonalização e requalificação das ruas dando prioridade aos peões é uma mais valia para o comércio tradicional, acautelando sempre a acessibilidade às zonas de comércio através das diversas formas de transporte, de uma forma integrada e coerente.

Mais direitos aos peões e mais zonas pedonais e de acalmia de tráfego, não implicam, como tem vindo a ser mencionado erradamente, uma quebra de competitividade do comércio tradicional, mas antes tornam as condições do comércio tradicional mais próximas das excelentes condições de circulação pedonal a que os compradores têm acesso nas grandes superfícies - é esta a experiência que tenho constatado nas cidades europeias com maiores indíces de qualidade de vida e satisfação do seu tecido social e comercial.

Deixo o desafio - que as entidades associativas que defendem o comércio tradicional se preocupem, com o mesmo determinado empenho que revelam em relação à questão dos automóveis, em modernizá-lo em termos de imagem, de qualidade dos bens e serviços oferecidos, de diversidade e preços competitivos.»

Nuno Xavier

in http://passeiolivre.blogspot.com/

Fotos: Rua da Madalena e Rua dos Fanqueiros

Tuesday, August 4, 2009

Arquitectos projectam Ribeira das Naus "contemporânea" mas que revela a história

Arquitectos projectam Ribeira das Naus "contemporânea" mas que revela a história

In Público - 04.08.2009, Inês Boaventura

Criar dois prismas relvados com a forma das rampas varadouro e desaterrar as docas seca e da Caldeirinha, sobre a qual haverá uma ponte automóvel e pedonal, são algumas das ideias

Criar um novo espaço verde entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço onde os utilizadores possam estabelecer uma relação "informal" e "descontraída" com o rio, proporcionando-lhes em simultâneo a hipótese de acederem a uma espécie de "óculo vertical" que revele a história do lugar, é uma das intenções que justificam a proposta dos arquitectos paisagistas João Nunes e João Gomes da Silva para transformar a zona da Ribeira das Naus.

O estudo prévio encomendado pela sociedade Frente Tejo aos ateliers PROAP e Global está concluído e já foi apresentado à Câmara de Lisboa. Prestes a arrancarem com o projecto de execução, os arquitectos dizem que o seu maior medo é que não haja debate e sublinham as vantagens de se avançar até à solução final "de forma muito dialogante".

"Lisboa contacta directamente com o rio em pontos muito exíguos", começa por explicar João Nunes, acrescentando que "isso faz com que a Ribeira das Naus seja um sítio tão inacreditavelmente singular". Tirando o Parque do Tejo e Trancão, que fica no Parque das Nações e foi projectado pelo gabinete do qual é director-geral, o PROAP, o arquitecto não se recorda de qualquer outro sítio "feito com o propósito de ligar a cidade ao rio".

Espaço "descontraído"
A frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço será, segundo João Nunes, "sobretudo um espaço verde, descontraído", onde lisboetas e visitantes poderão estabelecer "um contacto informal, livre", com o Tejo. Para isso haverá "dois prismas relvados" junto aos edifícios da Marinha, numa evocação das rampas varadouro, outrora utilizadas pelas embarcações. Na margem do Tejo, contida entre dois pontões, haverá uma espécie de praia, uma rampa em pedra que, como explica João Gomes da Silva, constituirá "um plano suave que vai descendo para dentro de água".

A circulação automóvel passará a ser feita entre a praia e as duas plataformas relvadas. Os carros transitarão em duas vias paralelas ao rio, assinaladas dentro de uma mancha ziguezagueante em calçada de basalto com um recorte que corresponde à antiga linha de costa do local, cuja vocação industrial e naval só foi transformada nos anos 40 do século XX com o rasgar da Avenida Ribeira das Naus. A ideia, sintetiza João Nunes, é que este seja um espaço "fundamentalmente pedonal", no qual os carros circulem a uma velocidade baixa.

O "uso" da frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço, sublinha João Gomes da Silva, será "perfeitamente contemporâneo", mas isso será feito em paralelo com a intenção de "revelar uma série de elementos históricos da cidade". Nesse sentido, será posta a descoberto a doca seca (construída em 1790) da qual actualmente apenas uma pequena parte está exposta, mas que os arquitectos esperam que esteja "íntegra". Também a estrutura da Doca da Caldeirinha, que de acordo com João Gomes da Silva foi "um dos elementos mais persistentes" deste lugar e remonta a 1500, vai ser retomada, passando a "assinalar o hiato" entre a Ribeira das Naus e o vizinho Terreiro do Paço, ultrapassável através de uma ponte para automóveis e peões.