Wednesday, January 28, 2009

«UMA FARTURA DE LOUCURAS EM LISBOA»

Recente e repentinamente fomos surpreendidos por uma súplica ansiosa exprimida pela vereadora da Cultura na CML, Rosalia Vargas, onde pedia ideias, mesmo que fossem loucas. Creio que, no balanço do ano, a vereadora terá largas razões para alívio e contentamento... A total ausência de visão, sensibilidade estratégica e perspectiva cultural na cidade de Lisboa, e a abundância de ideias loucas dominaram.

1. Real Praça do Comércio. Depois de campanhas de "animação" que demonstraram um talento inimitável em conseguir o impossível, ou seja, a transformação de uma das grandes Places Royales da Europa no Campo das Cebolas, seguiram-se as campanhas de iluminação de Natal, que já fizeram correr rios de tinta. Com efeito, a grande axialidade das iluminações apresentou grandes imagens culturais, competindo entre o tema "Barbarela" da Praça do Comércio e do Marquês, e o tema "Barbie-Bela Adormecida" do Rossio. Foram momentos inesquecíveis, só superados pelo momento culminante das ideias loucas, que foi inaugurar o tão esperado retorno do Cais das Colunas, para imediatamente anunciar para Janeiro a transformação da praça num novo estaleiro de obras, depois de anos de obras e milhões de euros que têm que ser devolvidos à UE por incompetência e mau planeamento.

Definitivamente e concluindo, António Costa não sabe o que é uma praça real, não sabe utilizar o potencial de dignidade do seu espaço público nem a imponência da sua arquitectura e demonstra-o todos os dias aos turistas europeus, que teimam em nos visitar.

2. Com o alargamento das responsabilidades dos pelouros, o vereador Manuel Salgado ficou agora com a responsabilidade do licenciamento na área do urbanismo comercial. Responsabilidade não é um termo desajustado, pois é nesta importantíssima área que muito da imagem de qualidade na vivência de um centro histórico reside.

Fazendo a comparação entre a curva ascendente da vivência e da qualidade do comércio no Chiado e a acentuada e progressiva decadência na Baixa, teremos que reconhecer que os mesmos turistas que nos visitam sabem encontrar a loja da Catarina Portas na Rua Anchieta, reconhecem de imediato o atractivo do Largo do Teatro de São Carlos, descobrem o Café no Chiado, etc... Enquanto na Baixa, estabelecimentos com verdadeira qualidade, como a Confeitaria Nacional, tornaram-se "ilhas"cercadas por comércio híbrido e descaracterizado, bem ilustrado pela ofensiva em massa do fenómeno "Chíndia".

Ao apercebermo-nos que mesmo o eixo fundamentalmente estratégico, que se inicia na Rua da Conceição, passa pela Sé até ao Largo das Portas do Sol, seguindo o percurso do eléctrico 28, zona anteriormente consolidada com comércio de qualidade e antiquários, começa a tornar-se zona de expansão estratégica do híbrido, representado pela "tralha" e quinquilharia pseudoturística "Chíndia", temos que perguntar directamente ao vereador Manuel Salgado o que é que anda a fazer... Provavelmente ele irá dizer-nos que a sua total ausência de estratégia na área do urbanismo comercial, encerra uma atitude subtil de resposta ao tal apelo de ideias loucas da vereadora.

3. Entretanto, a exposição sobre a Baixa Pombalina encerrou, como marco da total inactividade na área fundamental da reabilitação urbana. Vem o vereador Manuel Salgado anunciar a suspensão do PDM, para desenvolver não mais do que obras dispersas e empíricas, sem uma concentração pedagógica e estimulante numa zona. Além disso, por aquilo que conseguimos adivinhar nas imagens relâmpago e sem qualquer explicação que tentámos descodificar nas vídeo montagens dos projectos para o espaço público e intervenções em monumentos nacionais na Baixa, ficámos sem saber qual o grau de rigor das intervenções na perspectiva patrimonial.

Assim, sabemos que no Largo de Trindade Coelho pretende-se retirar o gradeamento na entrada da Igreja de São Roque, com o pretexto de fazer retornar a praça a uma situação original e pura... quando a Carta de Veneza nos diz claramente que o património posterior (gradeamento do século XIX) acumula as memórias de vivência do local.Poderemos então perguntar... Seguem-se os gradeamentos das igrejas de São Nicolau e de São Julião? No caso da Igreja de São Julião e no plano conjunto com o Banco de Portugal parece que sim, além de que a depuração minimalista nos interiores pretende criar uma abertura envidraçada (!) no canto direito da fachada da Igreja de São Julião.

Definitivamente, desistiu-se totalmente da candidatura da Baixa a Património Mundial e do master plan rigoroso na perspectiva patrimonial, ao nível da imagem histórica, tipologias e materiais que tal candidatura exigia e implicava.Resta-nos a consolação da promessa de mais ideias loucas na gestão de uma cidade com um potencial histórico, patrimonial e cultural único entregue a eleitos sem capacidade para o reconhecer, valorizar e aproveitar.

Artigo de opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho, Historiador de Arquitectura, publicado no PÚBLICO 25.01.2009

FOTO: a já clássica barraca de farturas do Terreiro do Paço, caso talvez único na Europa da UE, introduzido pelo Presidente da CML no âmbito da iniciativa «Aos domingos o Terreiro do Paço é das Pessoas»

1 comment:

serras_y said...

Bem, eu moro na baixa, ser-me-à permitido ir comprar algo que me faça falta ao indiano na rua dos Fanqueiros? Ou tenho de ir até ao Colombo para comprar uns tristes cotonetes?
Não estou a ver que precise de comprar todos os dias um móvel séc XVII...
E as farturas do Otário até que são bem boas, pelo menos posso-as pagar, ao contrário dos tão plenos de "genuinidade" enchidos da Garrafeira Manuel Tavares
ou os queijos da Nova Açorena.
É preciso reparar que tudo isto faz falta, pelo menos até encherem a baixa de hotéis, então podem transformá-la num supermercado dutty-free ligada directamente ao aeroporto, podem enchê-la da verdadeira "genunidade" portuguesa, mas sem portugueses selectos e pouco ricos, que esses não são nada genuinos!

F. Gaspar