Thursday, March 27, 2008

Da falta de memória




“Cada nova vereação municipal traz uma ideia também nova, que começa, e a seguinte depois não acaba, para por seu turno iniciar outra, e assim por diante” (Ribeiro Christino, "Estética Citadina – Anotações sobre Aspectos Artísticos e Pitorescos de Lisboa", série publicada no 'Diário de Notícias' de 1911 a 1914)

Um dos aspectos que maior perplexidade causa nas actuais propostas da CML prende-se com a (aparente? real?) falta de memória em matéria de estudos realizados sobre a Baixa, nomeadamente no campo dos inventários do seu edificado.

Perplexidade tanto maior quanto, sem prejuízo de outros levados a cabo antes, o trabalho de maior fôlego e de maior alcance foi realizado há relativamente poucos anos pela extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN). Trabalho, que para além de estar publicado e, em parte disponível no site daquele organismo, foi objecto de protocolo formal de colaboração com… a CML.

Entre os vários levantamentos da Baixa, lote a lote, que a DGEMN então produziu, figuram, entre outros:

- Hierarquia viária;
- Traçado urbano;
- Datação da reconstrução;
- Ritmos construtivos;
- Sistema construtivo;
- Número de módulos por lote;
- Azulejaria de interior;
- Perfil de utilização (dominante e piso a piso);
- Estado de conservação;
- Propriedade dos imóveis;
- Intervenções dissonantes.

Disponíveis em registo cartográfico – peça fundamental pela sua clareza, até como suporte à tomada de decisão -, estes levantamentos foram então complementados com alçados métricos rectificados, quarteirão a quarteirão. Publicados na revista Monumentos (n.º 21, de Setembro de 2004, dedicado à Baixa), estão em parte disponíveis online.

Apesar da sua importância, esse trabalho era referido de passagem na Proposta de Revitalização da Baixa-Chiado de Setembro de 2006 – quando se alude com vago entusiasmo à “continuidade dos inventários realizados pela SRU, pela DGEMN e pelo Gabinete da Baixa-Chiado”. Na revisão desse relatório, datada de 25 de Fevereiro último, e entre as “acções prioritárias a desenvolver pela autarquia em 2008 e 2009”, encontramos a “finalização dos levantamentos de caracterização do edificado da área de intervenção/aprofundamento da Carta [Municipal] do Património [ex-Inventário Municipal]". Sem se perceber muito bem se estes (novos) levantamentos de caracterização têm de novo por objecto a malha ortogonal da Baixa ou as suas franjas e ramificações.

Um inventário é, naturalmente, uma obra aberta, que tem de estar em constante actualização. Mas num país conhecido por duplicar inventários, não porque os leve a sério e os respeite, mas porque cada instituição acha que deve ter o seu, esquecendo o que está para trás, esperemos que este não seja (de novo) o caso.


Créditos imagem: alçado métrico rectificado de um dos quarteirões da Rua da Conceição (lado Sul); cartas de registo de sistema construtivo e de dissonâncias; Inventário do Património Arquitectónico da extinta DGEMN

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