A propósito da trapalhada do projecto da Frente Tejo & Governo para a Praça do Comércio, vale a pena reler este artigo que saiu no Público/P2 no dia 6 de Novembro de 2007 e ver o que foi prometido e discutido já naquela altura:
Fechado ao trânsito e com animação, o Terreiro do Paço "é das pessoas" ao domingo, diz a Câmara de Lisboa. As actividades são todas temporárias - este domingo vai haver um megamagusto de São Martinho com "o maior assador de castanhas do mundo" -, e a ideia é lançar o debate sobre o futuro da praça. Com carros, sem carros, com árvores, sem árvores, com barraquinhas, sem barraquinhas? O P2 ouviu arquitectos e a vereadora da Cultura
Por Alexandra Prado Coelho A florista acha que vendia mais no Cais do Sodré. Os vendedores de artesanato urbano estão dispostos a esperar para ver. Os curiosos passeiam-se por ali, espreitam os espectáculos. Há quem se queixe da falta de cafés. Há quem comente "isto com árvores é que era fixe".
A discussão sobre o que fazer no Terreiro do Paço está instalada - pelo menos entre os que por ali passam aos domingos desde que a Câmara Municipal de Lisboa decidiu que nesses dias a praça é fechada ao trânsito e "devolvida às pessoas".
Para já, e durante um ano, há animação - grupos a tocar, jogos tradicionais, feira do livro, uma carruagem com cavalo para dar a volta à praça, espectáculos e exposições no claustro do Ministério das Finanças, filmes (no redescoberto Páteo da Galé, por baixo das arcadas) para ver como era dantes aquela que muitos consideram a mais bela praça de Portugal e até da Europa.
A esplanada - a única que existe - com café e um euro e vinte está cheia. Não há carros a passar, mas há várias carrinhas de apoio estacionadas no meio da praça, que durante anos foi um parque de estacionamento, depois um estaleiro de obras e que, mesmo depois de se ter libertado de tudo isso, parece ter continuado esquecida pelos lisboetas. Discuta-se, então, o futuro.
As árvores, por exemplo. Pode-se começar por aí. Walter Rossa, investigador da história da arquitectura, urbanismo e património e autor de, entre outros livros sobre o tema, Além da Baixa, Indícios de Planeamento Urbano na Lisboa Setecentista (edição do Ippar) sublinha que ainda não passou pelo Terreiro do Paço aos domingos desde que a iniciativa começou, mas não tem dúvidas quanto a essa questão: "Não passaria pela cabeça de ninguém plantar um bosque em torno das Pirâmides. Se as pessoas querem andar à sombra podem andar por baixo das arcadas [em redor da praça].
"Já houve, no passado, árvores em redor da praça e, explica a vereadora da Câmara Municipal para a Educação, Juventude e Cultura, Rosália Vargas, a intenção da Câmara é fazer essa experiência novamente - por isso, em Março, no início da Primavera, serão colocadas árvores, mas em vasos, apenas para estudar o efeito. Porque a praça é, neste momento, "um grande campo experimental de ideias".
Trânsito "opressivo"
Duas coisas parecem unânimes entre os arquitectos ouvidos pelo P2. A primeira é que o grande problema do Terreiro do Paço é o trânsito (o acidente com duas vítimas mortais e um ferido grave, há uns dias, veio mostrar que este é um problema com consequências muito mais graves do que a de afastar as pessoas do local). É a "cintura de trânsito, muito intenso, opressivo" que torna a praça muito pouco convidativa para passear ou estar numa esplanada, diz Pedro Reis, responsável pela recente reabilitação do Museu de Elvas e morador na Baixa, a curta distância do Terreiro do Paço. O actual problema dos domingos - em que o coro de buzinas dos carros que ficam presos em engarrafamentos rivaliza com a música que se toca na praça - tem a ver, segundo Pedro Reis, com problemas de organização. "Quando há cortes de trânsito é preciso informar as pessoas a tempo de elas poderem alterar o percurso.
"Pode haver algum trânsito local, mas pensar naquela zona como uma via rápida é a morte", defende o também arquitecto Pedro Ressano Garcia, que há muito tempo tem vindo a pensar a zona ribeirinha de Lisboa. Reduzir substancialmente o trânsito é, aliás, para Ressano Garcia, a única intervenção de fundo que necessita o Terreiro do Paço, o único ponto da zona ribeirinha que não sofreu nos séculos anteriores as alterações profundas que acabaram por afastar Lisboa do rio. "Tínhamos uma cidade toda aberta para o rio. O Terreiro do Paço foi o único que sobrou e é por isso que adquiriu um estatuto icónico."
Também Walter Rossa lamenta "a manutenção da Rua do Ouro e da Prata como vias rápidas, em que nem um táxi pode parar", o que, diz, lhes impede de "terem uma vivência que podia contribuir para a dinamização da Baixa"."Atentos às buzinadelas"Ao cortar o trânsito aos domingos, a câmara está, de certa forma, a testar possibilidades. "Estamos muito atentos às buzinadelas que ouvimos", garante a vereadora, "e que querem dizer que o trânsito não está a fluir como gostaríamos". Mas todas as semanas são feitas reuniões de avaliação e a questão do trânsito tem estado no centro das discussões.
Outro ponto consensual é que nada deve acontecer de forma permanente na placa central da praça, um espaço que Walter Rossa descreve como "essencialmente de contemplação e de afirmação do poder". "Não há em todo o mundo nenhuma praça com aquela natureza, de ostentação do poder, aberta para o rio", explica. O crítico de arquitectura Diogo Lopes, que está temporariamente ausente de Portugal e por isso ainda não viu o Terreiro do Paço aos domingos sem trânsito, defende também que "aquele espaço passa pela vivência daquele vazio" e que "criar pequenos acontecimentos vai contra a sua natureza".
Diogo Lopes confessa mesmo que lhe agrada "saber que ainda ali estão ministérios", porque acha importante que se salvaguarde "a continuidade funcional e temporal daquela estrutura para que ela continue hoje a fazer sentido". Mas se esse lado de representação do poder é importante, ele deve ser "compatibilizado ou interceptado com outros tipos de usos".
Deixar o centro livre foi o que propuseram José Adrião e Pedro Pacheco quando, em 1992, venceram um concurso para a reabilitação do Terreiro do Paço (projecto ainda por concretizar e substituído por outro provisório, dos mesmos arquitectos, e que é o que ainda hoje se mantém): "O Terreiro do Paço é um espaço de silêncio e contemplação para a leitura do rio, que é o quarto alçado daquela praça. O espaço central deve ser sempre de silêncio", diz Adrião. A ideia dos dois arquitectos era que no terreiro fossem instaladas caixas elevatórias que podiam subir e descer, com ligações para cabos eléctricos, para eventos lúdicos pontuais.
Contra o "horror ao vazio"
Diogo Lopes - sublinhando sempre que não viu ainda a animação dos domingos - é de opinião de que deve haver "momentos pontuais de apropriação", mas não se deve "instaurar um programa permanente de animação". Há em Portugal um certo "horror ao vazio", mas "há tantos sítios em que não se passa nada, e aquele é um sítio para não se passar nada na maior parte do tempo".
Concordando que "na placa central não deve acontecer nada", Pedro Reis compreende, no entanto, que "numa fase de arranque" seja necessário criar alguma animação na praça (embora pense que é importante a Câmara dar mais indicações sobre os planos que tem para o futuro do Terreiro do Paço). "Ter uma praça disponível na cidade é uma coisa nova. E as pessoas não estão habituadas a usar aquele espaço, que durante muito tempo foi um parque de estacionamento e depois esteve em obras", diz Pedro Reis. O que lhe parece mais interessante, contudo, é explorar o "potencial enorme" que existe em redor da praça, debaixo das arcadas, nos pátios dos ministérios, durante décadas escondidos dos lisboetas e agora (pelo menos alguns) reabertos.
Alguns desses locais, como o Pátio da Galé, são o que a vereadora Rosália Vargas chama as "âncoras" do projecto de animação. Mas nada do que se passa no Terreiro do Paço - e que está previsto até Setembro de 2008, com reforço de programação em domingos que coincidam com datas mais significativas, como o São Martinho - é definitivo, sublinha.
O que quer a câmara? E o que é que a câmara gostaria de ver naquele espaço? "Restauração de qualidade, bons cafés, bares, um hotel, um museu, lojas de qualidade." Quanto à placa central, "deve ser preenchida de quando em quando, ninguém aguentaria uma programação permanente de grande dimensão para aquele espaço".
Durante os próximos meses, a câmara está aberta a propostas de grupos, organizações, artistas, todos os que tenham ideias para animar a praça aos domingos (foram, por exemplo, enviadas cartas a todas as escolas de música da cidade convidando-as a apresentarem-se ali). Todos concordam que o Terreiro do Paço não pode transformar-se naquilo que Walter Rossa descreve como "uma espécie de Luna Park da cidade". Mas que deve ser pensado, planeado e objecto de um plano integrado de toda a Baixa. "Não vejo mal nenhum em que se façam experiências e se corram riscos", conclui José Adrião - que no seu projecto de 1992 com Pedro Pacheco já previa galerias e cafés nos pisos térreos e a transformação dos claustros em espaços públicos - "mas essas experiências devem ser utilizadas com um fim muito explícito", diz Adrião. "Há 15 anos que se anda a falar disto. Porque é que demora tanto tempo é um mistério."
Fotos: aspectos da infeliz iniciativa municipal «Aos Domingos o Terreiro do Paço é das Pessoas»
Por Alexandra Prado Coelho A florista acha que vendia mais no Cais do Sodré. Os vendedores de artesanato urbano estão dispostos a esperar para ver. Os curiosos passeiam-se por ali, espreitam os espectáculos. Há quem se queixe da falta de cafés. Há quem comente "isto com árvores é que era fixe".
A discussão sobre o que fazer no Terreiro do Paço está instalada - pelo menos entre os que por ali passam aos domingos desde que a Câmara Municipal de Lisboa decidiu que nesses dias a praça é fechada ao trânsito e "devolvida às pessoas".
Para já, e durante um ano, há animação - grupos a tocar, jogos tradicionais, feira do livro, uma carruagem com cavalo para dar a volta à praça, espectáculos e exposições no claustro do Ministério das Finanças, filmes (no redescoberto Páteo da Galé, por baixo das arcadas) para ver como era dantes aquela que muitos consideram a mais bela praça de Portugal e até da Europa.
A esplanada - a única que existe - com café e um euro e vinte está cheia. Não há carros a passar, mas há várias carrinhas de apoio estacionadas no meio da praça, que durante anos foi um parque de estacionamento, depois um estaleiro de obras e que, mesmo depois de se ter libertado de tudo isso, parece ter continuado esquecida pelos lisboetas. Discuta-se, então, o futuro.
As árvores, por exemplo. Pode-se começar por aí. Walter Rossa, investigador da história da arquitectura, urbanismo e património e autor de, entre outros livros sobre o tema, Além da Baixa, Indícios de Planeamento Urbano na Lisboa Setecentista (edição do Ippar) sublinha que ainda não passou pelo Terreiro do Paço aos domingos desde que a iniciativa começou, mas não tem dúvidas quanto a essa questão: "Não passaria pela cabeça de ninguém plantar um bosque em torno das Pirâmides. Se as pessoas querem andar à sombra podem andar por baixo das arcadas [em redor da praça].
"Já houve, no passado, árvores em redor da praça e, explica a vereadora da Câmara Municipal para a Educação, Juventude e Cultura, Rosália Vargas, a intenção da Câmara é fazer essa experiência novamente - por isso, em Março, no início da Primavera, serão colocadas árvores, mas em vasos, apenas para estudar o efeito. Porque a praça é, neste momento, "um grande campo experimental de ideias".
Trânsito "opressivo"
Duas coisas parecem unânimes entre os arquitectos ouvidos pelo P2. A primeira é que o grande problema do Terreiro do Paço é o trânsito (o acidente com duas vítimas mortais e um ferido grave, há uns dias, veio mostrar que este é um problema com consequências muito mais graves do que a de afastar as pessoas do local). É a "cintura de trânsito, muito intenso, opressivo" que torna a praça muito pouco convidativa para passear ou estar numa esplanada, diz Pedro Reis, responsável pela recente reabilitação do Museu de Elvas e morador na Baixa, a curta distância do Terreiro do Paço. O actual problema dos domingos - em que o coro de buzinas dos carros que ficam presos em engarrafamentos rivaliza com a música que se toca na praça - tem a ver, segundo Pedro Reis, com problemas de organização. "Quando há cortes de trânsito é preciso informar as pessoas a tempo de elas poderem alterar o percurso.
"Pode haver algum trânsito local, mas pensar naquela zona como uma via rápida é a morte", defende o também arquitecto Pedro Ressano Garcia, que há muito tempo tem vindo a pensar a zona ribeirinha de Lisboa. Reduzir substancialmente o trânsito é, aliás, para Ressano Garcia, a única intervenção de fundo que necessita o Terreiro do Paço, o único ponto da zona ribeirinha que não sofreu nos séculos anteriores as alterações profundas que acabaram por afastar Lisboa do rio. "Tínhamos uma cidade toda aberta para o rio. O Terreiro do Paço foi o único que sobrou e é por isso que adquiriu um estatuto icónico."
Também Walter Rossa lamenta "a manutenção da Rua do Ouro e da Prata como vias rápidas, em que nem um táxi pode parar", o que, diz, lhes impede de "terem uma vivência que podia contribuir para a dinamização da Baixa"."Atentos às buzinadelas"Ao cortar o trânsito aos domingos, a câmara está, de certa forma, a testar possibilidades. "Estamos muito atentos às buzinadelas que ouvimos", garante a vereadora, "e que querem dizer que o trânsito não está a fluir como gostaríamos". Mas todas as semanas são feitas reuniões de avaliação e a questão do trânsito tem estado no centro das discussões.
Outro ponto consensual é que nada deve acontecer de forma permanente na placa central da praça, um espaço que Walter Rossa descreve como "essencialmente de contemplação e de afirmação do poder". "Não há em todo o mundo nenhuma praça com aquela natureza, de ostentação do poder, aberta para o rio", explica. O crítico de arquitectura Diogo Lopes, que está temporariamente ausente de Portugal e por isso ainda não viu o Terreiro do Paço aos domingos sem trânsito, defende também que "aquele espaço passa pela vivência daquele vazio" e que "criar pequenos acontecimentos vai contra a sua natureza".
Diogo Lopes confessa mesmo que lhe agrada "saber que ainda ali estão ministérios", porque acha importante que se salvaguarde "a continuidade funcional e temporal daquela estrutura para que ela continue hoje a fazer sentido". Mas se esse lado de representação do poder é importante, ele deve ser "compatibilizado ou interceptado com outros tipos de usos".
Deixar o centro livre foi o que propuseram José Adrião e Pedro Pacheco quando, em 1992, venceram um concurso para a reabilitação do Terreiro do Paço (projecto ainda por concretizar e substituído por outro provisório, dos mesmos arquitectos, e que é o que ainda hoje se mantém): "O Terreiro do Paço é um espaço de silêncio e contemplação para a leitura do rio, que é o quarto alçado daquela praça. O espaço central deve ser sempre de silêncio", diz Adrião. A ideia dos dois arquitectos era que no terreiro fossem instaladas caixas elevatórias que podiam subir e descer, com ligações para cabos eléctricos, para eventos lúdicos pontuais.
Contra o "horror ao vazio"
Diogo Lopes - sublinhando sempre que não viu ainda a animação dos domingos - é de opinião de que deve haver "momentos pontuais de apropriação", mas não se deve "instaurar um programa permanente de animação". Há em Portugal um certo "horror ao vazio", mas "há tantos sítios em que não se passa nada, e aquele é um sítio para não se passar nada na maior parte do tempo".
Concordando que "na placa central não deve acontecer nada", Pedro Reis compreende, no entanto, que "numa fase de arranque" seja necessário criar alguma animação na praça (embora pense que é importante a Câmara dar mais indicações sobre os planos que tem para o futuro do Terreiro do Paço). "Ter uma praça disponível na cidade é uma coisa nova. E as pessoas não estão habituadas a usar aquele espaço, que durante muito tempo foi um parque de estacionamento e depois esteve em obras", diz Pedro Reis. O que lhe parece mais interessante, contudo, é explorar o "potencial enorme" que existe em redor da praça, debaixo das arcadas, nos pátios dos ministérios, durante décadas escondidos dos lisboetas e agora (pelo menos alguns) reabertos.
Alguns desses locais, como o Pátio da Galé, são o que a vereadora Rosália Vargas chama as "âncoras" do projecto de animação. Mas nada do que se passa no Terreiro do Paço - e que está previsto até Setembro de 2008, com reforço de programação em domingos que coincidam com datas mais significativas, como o São Martinho - é definitivo, sublinha.
O que quer a câmara? E o que é que a câmara gostaria de ver naquele espaço? "Restauração de qualidade, bons cafés, bares, um hotel, um museu, lojas de qualidade." Quanto à placa central, "deve ser preenchida de quando em quando, ninguém aguentaria uma programação permanente de grande dimensão para aquele espaço".
Durante os próximos meses, a câmara está aberta a propostas de grupos, organizações, artistas, todos os que tenham ideias para animar a praça aos domingos (foram, por exemplo, enviadas cartas a todas as escolas de música da cidade convidando-as a apresentarem-se ali). Todos concordam que o Terreiro do Paço não pode transformar-se naquilo que Walter Rossa descreve como "uma espécie de Luna Park da cidade". Mas que deve ser pensado, planeado e objecto de um plano integrado de toda a Baixa. "Não vejo mal nenhum em que se façam experiências e se corram riscos", conclui José Adrião - que no seu projecto de 1992 com Pedro Pacheco já previa galerias e cafés nos pisos térreos e a transformação dos claustros em espaços públicos - "mas essas experiências devem ser utilizadas com um fim muito explícito", diz Adrião. "Há 15 anos que se anda a falar disto. Porque é que demora tanto tempo é um mistério."
Fotos: aspectos da infeliz iniciativa municipal «Aos Domingos o Terreiro do Paço é das Pessoas»