«Lisboa estava destruída, mas um grupo de arquitectos e urbanistas pensava já no futuro: em 1758, três anos após o terramoto, já havia um novo plano para a cidade e o Marquês dava luz verde à reconstrução da Baixa. Passaram 250 anos. Uma exposição no Terreiro do Paço desafia-nos agora a pensar a cidade à luz desse plano.
Ainda a população de Lisboa não tinha recuperado do terrível choque do terramoto de 1755, seguido de um maremoto e vários incêndios que destruíram grande parte da cidade, e já Manuel da Maia tinha prontos os desenhos do que poderia ser a nova cidade moderna. Em Abril de 1756, cinco meses depois da tragédia, o engenheiro-mor do Reino apresentava ao poder a sua proposta. "Ele tinha passado a vida toda a trabalhar sobre Lisboa, e naquele momento percebeu que o poder político estava disposto a avançar", explica Walter Rossa, que é, com Ana Tostões (ambos especialistas em História da Arquitectura), um dos comissários da exposição 1758 - O Plano da Baixa Hoje, que é inaugurada hoje no Pátio da Galé, Terreiro do Paço, em Lisboa, onde fica até 1 de Novembro (o design é do atelier de Henrique Cayatte).
Ainda a população de Lisboa não tinha recuperado do terrível choque do terramoto de 1755, seguido de um maremoto e vários incêndios que destruíram grande parte da cidade, e já Manuel da Maia tinha prontos os desenhos do que poderia ser a nova cidade moderna. Em Abril de 1756, cinco meses depois da tragédia, o engenheiro-mor do Reino apresentava ao poder a sua proposta. "Ele tinha passado a vida toda a trabalhar sobre Lisboa, e naquele momento percebeu que o poder político estava disposto a avançar", explica Walter Rossa, que é, com Ana Tostões (ambos especialistas em História da Arquitectura), um dos comissários da exposição 1758 - O Plano da Baixa Hoje, que é inaugurada hoje no Pátio da Galé, Terreiro do Paço, em Lisboa, onde fica até 1 de Novembro (o design é do atelier de Henrique Cayatte).
Estão criadas as condições para aquele que será "o primeiro plano consequente da história do urbanismo mundial que conjuga três componentes: o desenho, a legislação específica e um sistema de financiamento". Estava aberto o caminho à construção da Baixa Pombalina. Passaram 250 anos desde que, a 12 de Junho de 1758, surgiu o diploma com o plano para a reconstrução do centro da cidade, assinado por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel a partir da proposta de Manuel da Maia. A data é o pretexto aproveitado pela câmara municipal para apresentar esta exposição e relançar o debate sobre o que fazer da Baixa, numa altura em que o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, quer avançar rapidamente com o projecto de revitalização da zona.
Dentro do Pátio da Galé podemos, literalmente, caminhar sobre um mapa de Lisboa, e perceber as linhas traçadas há 250 anos pelos engenheiros e urbanistas e a forma como a cidade absorveu, e adaptou, esse plano. E isso ajuda-nos a perceber o que é essencial no desenho original da Baixa, e o que não é. Ou, resume Walter Rossa, "o que é que se pode transformar e o que é que tem que se preservar".
Plano elástico e resistente
"Esta não é uma exposição sobre história ou arquitectura, é sobre urbanismo", sublinha Ana Tostões. E mostra, segundo a comissária, que "o plano de 1758 é tão elástico e tão resistente que ainda hoje o vemos", apesar do que lhe fomos fazendo por cima, e dos "corpos estranhos" que nele fomos introduzindo. E "corpos estranhos" são, por exemplo, "tudo o que se acrescentou à frente da Praça do Comércio", todos os aterros que aí foram sendo feitos. A diferença entre o passado e o presente fica clara numa enorme fotografia dos anos 30, em que se vê como o rio chegava até junto da praça, que era fechada do lado esquerdo, não havendo obviamente circulação de automóveis. Curiosamente, lembra Walter Rossa, o próprio Terreiro do Paço é um aterro - já o era no século XVI e foi duplicado com o plano pombalino. Mas o que este plano nunca previu foi que o trânsito passasse por ali, cortando a praça do rio, como acontece actualmente.
"Coragem" - é esta a palavra que Manuel Salgado utiliza para explicar que, se queremos "pôr a bater de novo o coração de Lisboa", têm que ser tomadas "uma série de medidas para reduzir o número de veículos que circulam nesta zona". Uma das razões que muita gente invoca para não querer viver na Baixa é, segundo o vereador, o excesso de ruído e a poluição no ar, duas consequências da enorme quantidade de carros que por ali passam todos os dias. Outro "corpo estranho", prossegue Ana Tostões, é o chamado "quinto alçado" - os acrescentos e transformações que foram feitos em muitos edifícios da Baixa, alterando formas e volumetrias. Outra transformação, mais invisível mas igualmente preocupante, é, diz Walter Rossa, o desaparecimento, em alguns edifícios, do sistema de gaiola (uma maqueta dessa gaiola pode ser vista na exposição, mas curiosamente não existem contratos nem desenhos originais que nos ajudem a traçar a origem da gaiola), que permite que, em caso de terramoto, os prédios se desloquem em conjunto, evitando o desmoronamento. Como este sistema tem uma lógica de quarteirão, se é retirado de um dos prédios (geralmente para tornar as paredes mais estreitas e assim ganhar espaço), isso afecta toda a estrutura. "É como dançar cancan", explica Walter Rossa, "se uma pessoa que não sabe dançar entra no grupo, as outras, que estão coordenadas, chocam com ela e caem todas". Há, portanto, várias razões para se manter a lógica de quarteirão na Baixa, tal como prevista no plano de 1758, defendem os dois comissários. Por outro lado - e agora é já Manuel Salgado a falar - é preciso modernizar os edifícios, para atrair empresas e moradores. "Estamos já a trabalhar para ver o que pode ser feito em cada um dos edifícios", afirma o vereador. "Como podemos aumentar a resistência aos sismos, aos incêndios, oferecer mais condições de conforto." Numa zona em que há muitos moradores idosos, pode-se estudar, por exemplo, como integrar elevadores nos edifícios.
Cinco dos desenhos velhinhos de dois séculos e meio com as primeiras propostas de Manuel da Maia estão em exposição no Pátio da Galé, numa sala "presidida" pelo retrato imponente do Marquês de Pombal, símbolo da vontade política de reconstruir uma cidade a partir do zero - tinha havido na Europa outros exemplos de catástrofes mas nunca se tinha ido tão longe como se foi em Lisboa. Os governantes "aproveitaram o estado de choque das pessoas, o que lhes permitiu ter ideias mais ousadas", explica Walter Rossa.
Sala negra e misteriosa
Hoje a situação é diferente. Não houve um terramoto. Mas a Baixa foi resvalando, lentamente, para uma situação de abandono e decadência. E para a tirar daí é também preciso vontade política. Manuel Salgado sabe disso: "O plano por si só não chega. Um dos aspectos mais importantes há 250 anos é que houve medidas administrativas e financeiras que tornaram possível a concretização das ideias." Na exposição, isso é mostrado com humor. Depois da sala em que estão expostos os cinco projectos de Manuel da Maia (o sexto, que veio a dar origem ao plano de 1758, desapareceu) entramos numa outra sala completamente negra. "Isto representa os dois anos, entre a proposta de 56 de Manuel da Maia e o plano de 1758, em que não sabemos exactamente o que aconteceu e se calhar nunca viremos a saber", explica Walter Rossa. É o período em que se aplica uma legislação "violenta" para ultrapassar problemas de direitos de propriedade, em que se fazem negócios menos claros, mas indispensáveis para criar as condições que permitiram avançar com a construção da Baixa. Mais tarde, durante o romantismo, a Baixa, com as suas linhas direitas e lógica "a regra e esquadro", foi frequentemente mal-amada. Dizia-se, lembra Ana Tostões, que tinha uma "monotonia que gela".
A zona enfrenta uma "travessia do deserto", mas, ao mesmo tempo, o plano inicial vai-se humanizando, permitindo que se abram praças, que surjam cafés, lojas, comércio, teatros como o São Carlos e o D. Maria II. Cria-se, desde o início, uma diferença entre a Baixa e o Chiado - este, com "um desenho mais livre, mais arejado, é apropriado pela burguesia endinheirada e mais vocacionado para a habitação", afirma Walter Rossa, enquanto a Baixa é sobretudo o centro económico, comercial, político. Características que se mantêm hoje. "Continuamos a ter aqui os elementos principais de um centro financeiro, com o Ministério das Finanças, o Banco de Portugal e a estrutura central de outras instituições financeiras", frisa Manuel Salgado. Mas há também "muitos espaços inutilizados, vazios, onde é possível instalar pequenas e médias empresas. Para isso temos que melhorar as condições de acesso, de telecomunicações, prevendo sistemas modernos, fibras ópticas, por exemplo, que a Baixa neste momento não tem". A isto, defende o vereador, devem somar-se instituições culturais (o novo Museu do Design e da Moda, na antiga sede do BNU, ou o Museu do Banco de Portugal na Igreja de São Julião) e, nos pisos térreos do Terreiro do Paço, locais para exposições, cafés, restaurantes.
O Pátio da Galé - onde agora pode ser vista a exposição sobre o plano da Baixa - poderá vir a transformar-se num núcleo do Museu da Cidade ligado à reconstrução pós-terramoto, admite Salgado. "Uma estrutura que em permanência dê a conhecer o que foi esta extraordinária epopeia." Foi há 250 anos que um grupo de homens fez, pela primeira vez, um plano que via Lisboa de uma forma integrada, e reconstruiu, pela primeira vez, uma cidade moderna por cima dos escombros de uma cidade antiga.»
Por Alexandra Prado Coelho, hoje no Público
FOTO: prédio pombalino para venda na Rua do Ouro
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